Efésios 5:15-21 – “ Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios e, sim, como sábios, remindo o tempo pois os dias são maus (…) enchei-vos do Espírito falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor, com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo”
O louvor tem acompanhado o povo de Deus através dos tempos. Em tempos de paz e em tempos difíceis. O louvor é bálsamo, é arma, é inspiração, é companhia. Louvar a Deus é antes de tudo reconhecer que Ele é digno de ser louvado. A palavra tem sido e deve continuar sendo uma bússola, apontando uma direção na qual deveríamos ir ao assunto do louvor e da adoração. Ao pensarmos no texto bíblico acima, na verdade, alguns pensamentos vêm à tona. É possível perceber que o texto carrega um elemento comportamental bastante forte. Em outras palavras, o verso quinze quer, em outras palavras, dizer: “tomem cuidado como vocês andam, não como néscios, mas como sábios”. A diferença drástica entre ser néscio e ser sábio são basicamente as escolhas, e o que está por detrás delas. O dicionário nos serve de ajuda e assim os define. Néscio: ignorante, estúpido, insensato. Sábio: aquele que tem conhecimento, que age com prudência que é sensato. O próprio Jesus usou uma parábola para descrever a atitude oposta desses dois tipos de pessoa. O néscio constrói sobre a areia, o sábio sobre a rocha. O néscio desperdiça o tempo, o sábio o usa com responsabilidade e critério. O néscio age sem conhecimento, o sábio procura saber o que faz. Ao nos depararmos com o desafio do louvor, tenho a impressão que o princípio de tudo é caminharmos pela vereda da sabedoria. Muitas vezes, em questões musicais, a “sensatez” é deixada de lado e entram os humores, as vaidades, os egos exaltados. Eu gosto das palavras da versão da Bíblia, The Message, quando se refere a “remir o tempo”. Ela diz: “Faça o máximo de cada chance que você tiver, por que esses são tempos perigosos”. Podemos traçar um paralelo entre: remindo o tempo e louvando em todo o tempo, como enfatiza o Salmo 34. “ Bendirei o Senhor em TODO O TEMPO, o seu louvor estará SEMPRE nos meus lábios. Uma das maneiras de usar bem o tempo é simplesmente louvar em todo o tempo.
E o texto nos exorta a procurar compreender a vontade do Senhor, os Seus caminhos, a Sua maneira de ser e agir. Não existe caminho melhor para conhecer a vontade de Deus senão através do Seu Espírito. Encher-nos do Espírito é a solução para questões e situações difíceis. O discernimento do Espírito é tremendamente desejável nas questões do louvor.
Devemos nos alimentar dEle, nos apropriar dEle, nos inteirar dEle. Até chegarmos a um ponto no qual passamos a não viver por nós mesmos, mas Ele passar a viver em nós.
O texto menciona três diferentes categorias de louvor: Salmos, hinos e cânticos espirituais. Percebe-se aqui uma pluralidade na expressão musical. No mínimo três categorias de “louvor” foram mencionadas por Paulo.
Pensemos um pouco na igreja cristã dos tempos do apóstolo Paulo. Não é interessante que existe quase um silêncio ou falta de detalhes sobre aspectos musicais nos relatos do povo de Deus na igreja primitiva ou nascente?
“Surpreendentemente o cristianismo não requereu um completo e distinto serviço de adoração. Recebeu muito da influência e da herança Judaica, da sinagoga, e da maneira como a adoração acontecia lá.” (Citação The Story of Christian Music, Andrew Wilson-Dickson – pag 24 Lion Publishing plc, Oxford-England). Por isso não existem muitos relatos com respeito a música, uma vez que não era nada muito diferente do que o já estabelecido.
Cristo frequentava o templo e as sinagogas, assim como os apóstolos. Nada mais natural que, no seu culto, os primeiros cristãos usassem os cânticos judaicos e que os novos cânticos estivessem dentro do mesmo estilo de melodia. Com a difusão do Cristianismo entre todos os povos conhecidos, a liturgia cristã passou a receber, também destes, a influência de sua música.
Um Salmo é um “Tehilim”, do hebraico, significando louvores ou um cântico de Louvor. Em grego, Psalmós, cânticos acompanhados com saltério ou instrumentos musicais. São cânticos ou poemas que têm sido considerados o coração do Antigo Testamento. A autoria da maioria dos Salmos é atribuída a Davi, que teria escrito pelo menos setenta e três dos cento e cinquenta. Existem vários deles: Salmos proféticos, messiânicos, etc… Descrevem a atuação de Deus na vida do povo, falam da dependência de Deus, é muitas vezes uma oração de petição, enfim… acompanham a história dos filhos de Deus. Algo muito interessante é que havia um princípio participatório no canto. Na própria poética, que era de dois segmentos paralelos, cada um falando da mesma ideia, mas de modo diferente, e que vinha complementar a ideia. Os salmos eram cantados como antífona, isto é: dois grupos se alternando e cantando cada metade do verso. O Salmo 102:1- 4 ilustra bem isso:
Ouve, Senhor a minha súplica
E cheguem a Ti os meus clamores
Não me ocultes o Teu rosto no dia da minha angústia
No dia em que eu clamar, dá-te pressa em acudir-me
Porque os meus dias como fumo se desvanecem
E os meus ossos ardem como em fornalha
Ferido como a erva, secou-se o meu coração
Até me esqueço de comer o meu pão.
O canto participatório se tornaria a característica principal e fundamental do canto congregacional através da história. Ainda hoje temos um bom exemplo nas leituras responsivas ao final do hinário. Esse princípio básico foi levado para a igreja do Novo Testamento. Por isso, Paulo encoraja a igreja de Éfeso a cantar salmos, hinos, e cânticos espirituais.
Um hino é definido no dicionário Aurélio como: “Poema ou cântico de veneração, louvor ou invocação à divindade”. No Webster: “Uma canção de louvor a Deus; uma composição métrica adaptada para ser cantada em um serviço religioso”.
Os primeiros hinos apareceram como um passo a mais no costume de se cantar Salmos em métrica. A comunidade cristã sentiu a necessidade de cantar algo sobre a sua própria experiência. Isaac Watts, compositor de mais de 6.000 hinos – considerado o pai dos hinos Ingleses refere-se a eles como uma combinação de experiências de devoção e adoração. “Em cerca de 354-430, Agostinho definiu hino como sendo uma canção contendo louvor a Deus. Se você louvar a Deus mas sem canção, você não tem um hino. Se você louva qualquer coisa não pertinente a Glória de Deus, mesmo sendo cantado, você também não tem um hino.” Assim, um hino possui três elementos: Canção, louvor e Deus. Como característica, ainda é escrito de maneira métrica em forma de estrofes. Seria uma mensagem religiosa direcionada para o culto cristão. Direcionado a Deus e expressando os pensamentos do cantor: louvor, preces, promessas, crenças e encorajamento mútuo.
Uma diferença marcante de qualquer outro cântico é que possui uma dimensão vertical homem-Deus e nunca uma experiência horizontal, algo partilhado de homem para homem.
“Sempre podemos colocar música nova em algum poema. E devemos nos lembrar que ao fazer isso não estamos quebrando nenhuma regra inquebrável. Volatilidade de casamento do binômio canção/poema é um fato histórico, não um mal. Muitas melodias de hinos foram escritas em eras separadas de suas letras”. (Citação – Hymns Resurrected, Meredith Henne on Old Musical Wine & the New Wineskins- Touchstone- January/February 2009).
Os cânticos falam sobre as diversas experiências religiosas da vida do cristão, incluindo testemunho, entrega, evangelização, cânticos contemporâneos do dia a dia, da nossa época. Nessa categoria entram os diversos cantos, frutos da experiência diária com Deus e pertinentes à comunidade de crentes. Os cânticos espirituais seriam melodias e palavras mais espontâneas dos nossos dias, inspiradas e trazidas pelo Espírito de Deus.
Essa expressão musical dos crentes assume variadas formas e estilos. Foi próprio do Brasil, cerca de três décadas atrás, os conhecidos corinhos, as músicas para encontros religiosos, congressos de jovens, cantos de apelo e de testemunho. Hoje diríamos que os cantos do CD JA poderiam ser exemplos dessa categoria.
Existem benefícios ao utilizarmos essa variedade de cânticos na igreja. Nossos hinos, embora não sejam primariamente compendios teológicos, eles sim, são encharcados de verdade e doutrina. Cantar esses cantos ao Senhor numa congregação reafirma nossa fé, não somente nEle ou para Ele, mas para o nosso semelhante. Ao cantarmos juntos, nós nos animamos, encorajamo-nos mutuamente e nos aproximamos do trono de Deus juntos. É uma experiência coletiva. Compreendemos que não estamos sós ao buscarmos a presença dEle.
“A genialidade dessas três formas de cântico é que cada um é de maneira especial apropriado para expressar uma dimensão da natureza de Deus, e cada uma irá falar para diferentes tipos de personalidade ou diferentes facetas do indivíduo. O hino satisfará nossa sede por verdade e compreensão profunda; Salmos nos falarão às nossas necessidades e nossas experiências com Deus. O cântico espiritual poderá nos trazer o elemento visionário.” Afirmou Gerrit Gustafson, fundador e presidente do WholeHearted Worship in Mobile, Alabama-EUA.
Ao louvarmos apropriadamente, recebemos uma nova visão do que Deus quer de nós nesse tempo e nesse lugar, incluindo o processo criativo. Esse é o elemento contemporâneo das canções.
A descrição da pluralidade de cânticos demonstra uma abertura de leque. Nos sinaliza também que a palavra não está nos restringindo a apenas três modalidades de cantos com características únicas, mas está querendo dizer mais do que isso; que nosso louvor pode ser de um espectro amplo. O Deus que criou a diversificada natureza, com suas cores, matizes, o ser humano com personalidades tão distintas também concedeu-nos música de uma qualidade múltipla e interessante.
Em diversos lugares o Novo Testamento se refere ao canto como um meio de criar relacionamento e unidade, o caso aqui de Efésios 5:19. Como expressão de alegria em Tiago 5:13 Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém alegre? Cante louvores. Romanos 15:9 “Por isso eu te glorificarei entre os gentios e cantarei louvores ao teu nome” sugere testemunho, evangelização através do louvor cantado! E sem dúvida, como um elemento de gratidão.
O capítulo cinco de efésios e finalmente o verso 20 nos fala: “…dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso senhor Jesus Cristo.
Eu gosto do paralelo que esse verso tem com Colossenses 3:16 “…instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos e hinos e cânticos espirituais, com gratidão em vossos corações.”
Tenho a forte impressão de que o componente gratidão faz toda a diferença. Na exuberância do louvor e no contentamento do coração. Pois em resumo, quando nós somos gratos, somos gratos primeiramente a alguém, por algo. E o combustível do louvor é justamente o reconhecimento do conjunto de atos de Deus na nossa vida pessoal e na vida de qualquer igreja, a corporação dos adoradores.
E um último verso que frequentemente é esquecido: “…sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo”. Como? Procurando entender o estilo musical do outro, respeitando as convicções do outro, ouvindo o que o outro tem a dizer antes de criticá-lo, saber do contexto no qual a música do outro surgiu, etc… e tudo isso sob o guarda-chuva do “temor do Senhor”. Provérbios 9:10 nos lembra que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria”. E eu complementaria a ideia com a mensagem de Colossenses 3:23 “tudo quanto fizerdes (todo o louvor, toda a música), fazei-o de todo o coração como para o Senhor, e não para os homens”.
Existe uma ideia comportamental em todo o assunto destes textos de Efésios. E minha conclusão é que o elo principal e o princípio máximo devem ser sempre vistos no louvor genuíno. A qualidade do amor.
S João 13:35 nos diz “nisto conhecerão todos que são meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.
Frequentemente, vemos debates musicais na igreja onde depois de certa altura as pessoas se agridem, se tornam rudes, onde o arrazoar se torna na verdade um campo de batalha.
Gosto de desafiar os “levitas” modernos com a seguinte colocação: Não é tanto o que você está fazendo com o louvor, mas sim o que o louvor está fazendo com você. O louvor está nos aproximando de Deus, nos tornando mais parecidos com o Senhor Jesus? O louvor está nos ajudando na escalada da consagração? O louvor está nos embalando positivamente na jornada rumo ao Céu? Se respondermos afirmativamente a essas poucas perguntas, estaremos com certeza indo na direção certa.
Jader Santos
Ministro de Música da igreja do UNASP-EC